sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Sistemas, centros e periferias

O entendimento do todo como soma das partes é base para a ciência cartesiana, porém hoje se sabe que, apesar de sua utilidade instrumental, essa perspectiva não abarca a complexidade dos sistemas vivos. Se sabe também da contextualidade das percepções, cada mundo é visto através de um corpo com um lugar social razoavelmente definido, mas sempre aberto a potenciais mudanças. A contextualidade desse corpo que pensa, é também um princípio político de duplo sentido: por um lado deve-se ter conexão com seu mundo próximo (sua família, sua cidade, seus amigos) como ato político e cultural. Por outro, a vivência política local é motor para formas políticas mais diretas, algo próximo da concepção grega de democracia (e melhor, sem escravos) que hoje aparece como remédio para democracias tão afastadas da coletividade, tão dominada por grupelhos de poder. O domínio de tais grupelhos se espalha de várias formas, inclusive intelectuais-ideológicas, a concepção sobre como é esse sistema que vivemos  também é usada como ferramenta política. Isso vale pra política e pra vida. Como exemplo histórico (anterior a democracia de massas) basta lembrar a polêmica resistência ao heliocentrismo feita pela igreja católica (que era centro político forte no sistema da época) na europa do século XVI, talvez temessem que ao se descobrir que eles estavam errados acerca disso, outras certezas ditas pela igreja caissem por terra....

heliocentrismo
he.li.o.cen.tris.mo
sm (hélio+centro+ismo) Doutrina da concepção do sistema solar, tendo como centro o Sol.

Com o desenvolvimento da ciência, essa desposou a senhora verdade, roubando-a da igreja (apesar desta ainda conseguir dar das suas). E achando que estava acima do mundo dos humanos atraves de uma razão "pura", serviu a interesses de um determinado grupo, qual seja: os europeus que enxergando o mundo científicamente legitimaram os maiores absurdos da humanidade como a colonização e as guerras mundiais. Renovaram preconceitos e criaram alguns novos, hierarquias agora legitimadas pelo método e pela razão, que se mostrou muito mais contextual e política do que "pura" e "universal". Problemas são contextuais, soluções também. E é preciso que se permita que os próprios povos determinem seu destino, que não se use a história, a genética ou a geografia para se legitimar tamanha desigualdade entre os povos e no interior destes.


eurocentrismo
eu.ro.cen.tris.mo
sm (euro+centro+ismo) Doutrina que entende a cultura européia como centro e modelo de sociedade para o mundo.

A faceta que considero mais cruel desse processo é o efeito disso nos povos periféricos que movidos por uma série de motivações distintas (fascínio pela técnica, frustrações pessoais, ambição desmedida, entre outros..) compra o discurso do dominador histórico, lê os livros escritos por eles com devoção, repudia os seus, porque não se encaixam nas fórmulas e modelos que vem de lá.


exocentrismo
e.xo.cen.tris.mo
sm (exo+centro+ismo) Doutrina que entende que o centro e modelo de sociedade está fora daonde se está, muito comum nas sociedade periféricas.

10 comentários:

  1. Faltou o acento de "através".

    Olha, ontem eu tava me perguntando sobre isso, to lendo outro livro de gringo. E um gringo que analisa além das cidades do "centro do mundo" analisa as periféricas. E de fato leio muito mais teóricos estrangeiros do que os nacionais.

    Porque eu escolho os livros pelo título, não me interesso em saber daonde vem o autor, as resenhas. Pego e vou lendo, fiquei pensando se deveria mudar esse meu hábito. Começar a ser mais seletiva também nas minhas escolhas de leitura.

    Mas como vc sempre remete a pontos parecidos, eu vou te alertar de novo, para não colocar os europeus tudo num mesmo bolo, no bolo dos seres a serem repudiados. Mesmo que vc diga que dialoga com todo mundo, seu texto demonstra raiva das pessoas do centro. Entendo que a europa te soe como opressora, mas muita gente que constitui esse continente tiveram seus antepassados oprimidos.

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  2. Vc se equivoca novamente, muito mais que raiva, tenho amor pelo meu povo. Não tenho raiva de europeu não...só acho que tem que se falar do que foi esse processo colonial que até hoje nos ecoa..vc por exemplo lê mais autores gringos, será só pelos títulos? Pela qualidade? Ou algo para além disso? Fico um pouco chateado com quem ri dessa piada de mau-gosto re-contada tantas vezes..

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  3. A atitude cosmopolita pode ser reácionária, sobretudo quando é mediada unicamente através da estética...

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  4. Se vc for olhar no texto mesmo enalteço a democracia, uma invenção conceitual deles, apesar de alguns poderem argumentar que tinhamos o comunismo primitivo cá nas américas....:p

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  5. "vc por exemplo lê mais autores gringos, será só pelos títulos? Pela qualidade? Ou algo para além disso? Fico um pouco chateado com quem ri dessa piada de mau-gosto re-contada tantas vezes..."

    Qual piada?

    Eu estava completamente equivocada sobre ler mais livros de gringo. Em 2009 eu li 14 nacionais e 6 gringos, em 2010 eu li empatado 7 gringos e 7 nacionais e esse ano eu li 13 nacionais e 5 gringos. Só que aí estão misturados teorias e fixação não fiz a estatística separada, até porque tanto literatura como teoria formam meu pensamento, não faço distinção muito rígida disso. Vários livros de teoria eu leio por indicações.

    "Por outro, a vivência política local é motor para formas políticas mais diretas, algo próximo da concepção grega de democracia (e melhor, sem escravos) que hoje aparece como remédio para democracias tão afastadas da coletividade, tão dominada por grupelhos de poder." Isso, não é enaltecer. Vc faz uma vaga referência, só: "é algo próximo". Algo é um pronome substantivo que não dá uma definição precisa, a sensação pra quem lê é que o caso que vc diz lembra de longe a concepção grega de democracia. A civilização grega, dizem os entendidos que tem princípios bem diferentes da civilização romana. "O mundo ocidental civilizado" segundo uns seria fruto dessas duas. Mas até pensar assim é simplista... e a influencias dos vikings na formação dos países nórdicos vai pra onde.

    "uma invenção conceitual deles". Eles quem? Nós aqui, eles lá?

    E falando em colonizadores, é bom verificar o que a Odebrechet, brasileira, anda fazendo em Angola. Que daqui a pouco eles falarão: nós aqui e aqueles lá com suas teorias legitimaram os maiores absurdos da humanidade.

    Sabe qual é a minha encrenca? É distinguir a importância entre optar por um artigo definido e um artigo indefinido. Preciosismo, pq acho que as palavras denunciam.

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  6. A piada é o servilismo estético que se criou em relação as obras culturais dos eua e europa. Não entendi nada desse comentário sobre gramática e influência viking, desculpe. Sim, eles e nós. Quando a odebrecht faz o que faz lá fora está sendo "eles", quando os povos de lá lutam contra isso estão sendo "nós". Nós x eles é uma distinção política, que pouco diz respeito a carga cultural e mais sobre sua posição nos embates sociais.

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  7. "Não entendi nada desse comentário sobre gramática e influência viking, desculpe."

    Você quer que eu tente falar de outra maneira?

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  8. Se quiser, não consigo entender a importância de questionar se haveria uma influência viking ou não na cultura ocidental...

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  9. Viking não é o importante. To falando que a democracia grega não é sinônimo "deles". Porque eles, tal como são hoje, foram formados por uma mistura de coisa. E chamar "eles" é simplista.

    Por ora não estou interessada na influencia viking na cultura ocidental, não quero questionar isso.

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  10. Eu concordo (e disse isso acima) que nós x eles não é uma distinção real, mas é um instrumento político. Se você não vê unidade nos interesses periféricos e também nos interesses centrais (que se articulam de maneira particular em cada país), eu vejo. Pra mim existem dois projetos, um includente, outro não. Fico com o primeiro.

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