terça-feira, 26 de junho de 2012

Uma tarde na bolha da democracia racial


Esse relato foi feito num dia que presenciei o festival da identidade capixaba, que trouxe até a capital do Espírito Santo 150 grupos de cultura tradicional do estado, de todas as matrizes e sincretismos e hibridismos culturais possíveis da variada sociedade colonial brasileira. A paz vivida nesse dia de convivência de tão distintos grupos étnicos e culturais foi um dos momentos onde a democracia racial existe, ainda que numa fugaz bolha com prazo de vida limitado. Que estoura quando se volta ao cotidiano de injustiças de alguns e prosperidade de outros, quando volta a uma relação perigosa com uma sedutora sociedade geral, que pasteuriza tudo que toca oferecendo os mais diversos penduricalhos da tecnologia que , fora exceções pouco serviram efetivamente para grupos sociais diversos, que precisaram sempre de terra e de respeito a sua dignidade e modo de vida.

Podia-se perceber os sentidos de comunidade ali existentes, cargas genéticas específicas se materializavam em rostos, corpos e cabelos, comuns. No palco, os pomeranos, descendentes germânicos tocavam trajados tipicamente, a cultura imitando a genética. Quando olhei pro lado vi velhas índias dançando aos sons quadrados dos filhos da Pomerânia.

Todas as culturas nacionais, europeus, africanos, índios e nós mestiços brasileiros. A cultura desorgânica e desumana da sociedade da cidade encontra as comunidades. As párias sociais, os mendigos da Costa Pereira dançavam e implicavam uns com os outros, fazendo um tipo de comédia pastelão. E aí, aumentam as interações, índias acompanhando som germânico com suas casacas, que sim, são instrumentos africanos. E dançavam. Pomerano com pomerano, índio com índio, mendigo com mendigo, índio com mendigo...

Passa a folia. Vou atrás.

A marcação pesada da percussão trás reminiscências de um catolicismo popular, quase pagão, catalisado na figura assustadora do palhaço. Passo na frente do Bimbo, jogo da seleção na TV. Quase parei, mas a seleção-nação não me cativou, talvez pelo fato de nesse molde, a nação seja homogeneizante, igualando tanta riqueza de tons!  Mas é possível que na real seja a distância intermediada pelo invento e o business envolvido nesse esporte que me afastaram.  A nação que estava presente ali no centro de Vitória me parecia mais real, pois mais próximo, e mais diversa, como são as coisas reais.

Volto a praça, agora eram lusitanos no palco animando os germânicos que aparentemente sabiam e gostavam de algumas musicas dos primeiros. Um mendigo dançava todos os estilos na frente do palco numa dança que misturava uma miscelânea de repertórios corporais, do samba ao kung-fu.

De repente uma roda onde acontecia uma espécie de desafios de palhaços, cada um lançando seus versos.
Quando a estrela do Mar tocou no palco o grupos de dançarinos afro ensaiavam acompanhar dançando lá do chão, denunciando as conexões ocultas de um Brasil colonial, antigo e diverso.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Sistemas, centros e periferias

O entendimento do todo como soma das partes é base para a ciência cartesiana, porém hoje se sabe que, apesar de sua utilidade instrumental, essa perspectiva não abarca a complexidade dos sistemas vivos. Se sabe também da contextualidade das percepções, cada mundo é visto através de um corpo com um lugar social razoavelmente definido, mas sempre aberto a potenciais mudanças. A contextualidade desse corpo que pensa, é também um princípio político de duplo sentido: por um lado deve-se ter conexão com seu mundo próximo (sua família, sua cidade, seus amigos) como ato político e cultural. Por outro, a vivência política local é motor para formas políticas mais diretas, algo próximo da concepção grega de democracia (e melhor, sem escravos) que hoje aparece como remédio para democracias tão afastadas da coletividade, tão dominada por grupelhos de poder. O domínio de tais grupelhos se espalha de várias formas, inclusive intelectuais-ideológicas, a concepção sobre como é esse sistema que vivemos  também é usada como ferramenta política. Isso vale pra política e pra vida. Como exemplo histórico (anterior a democracia de massas) basta lembrar a polêmica resistência ao heliocentrismo feita pela igreja católica (que era centro político forte no sistema da época) na europa do século XVI, talvez temessem que ao se descobrir que eles estavam errados acerca disso, outras certezas ditas pela igreja caissem por terra....

heliocentrismo
he.li.o.cen.tris.mo
sm (hélio+centro+ismo) Doutrina da concepção do sistema solar, tendo como centro o Sol.

Com o desenvolvimento da ciência, essa desposou a senhora verdade, roubando-a da igreja (apesar desta ainda conseguir dar das suas). E achando que estava acima do mundo dos humanos atraves de uma razão "pura", serviu a interesses de um determinado grupo, qual seja: os europeus que enxergando o mundo científicamente legitimaram os maiores absurdos da humanidade como a colonização e as guerras mundiais. Renovaram preconceitos e criaram alguns novos, hierarquias agora legitimadas pelo método e pela razão, que se mostrou muito mais contextual e política do que "pura" e "universal". Problemas são contextuais, soluções também. E é preciso que se permita que os próprios povos determinem seu destino, que não se use a história, a genética ou a geografia para se legitimar tamanha desigualdade entre os povos e no interior destes.


eurocentrismo
eu.ro.cen.tris.mo
sm (euro+centro+ismo) Doutrina que entende a cultura européia como centro e modelo de sociedade para o mundo.

A faceta que considero mais cruel desse processo é o efeito disso nos povos periféricos que movidos por uma série de motivações distintas (fascínio pela técnica, frustrações pessoais, ambição desmedida, entre outros..) compra o discurso do dominador histórico, lê os livros escritos por eles com devoção, repudia os seus, porque não se encaixam nas fórmulas e modelos que vem de lá.


exocentrismo
e.xo.cen.tris.mo
sm (exo+centro+ismo) Doutrina que entende que o centro e modelo de sociedade está fora daonde se está, muito comum nas sociedade periféricas.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Vida Fractal

Fractal é um objeto geométrico composto de uma estrutura original reproduzida em diversas escalas. Não entendo totalmente a lógica do pensamento geométrico, nem essa explicação que dei é suficiente, mas mesmo assim. tem algo que quero ressaltar. Essa teoria que é aparentemente abstrata e ligada a matemática/geometria, é uma estrutura muito presente na natureza, no desenvolver das células e de todos organismos vivos em realidade.

Esse vídeo sobre a dinâmica fractal na construção da vida é bem bacana.

http://www.youtube.com/watch?v=ME-bLr7mGL4&feature=player_embedded#!

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Gênio Coletivo

A história clássica é chamada de "história dos vultos" por enfocar os indivíduos marcantes como reflexo de uma época, como se a história se desenrolasse apenas pelos grandes personagens, reis, lords, papas (aqui no brasil muitos coronéis) e outras figuras notórias. Hoje essa abordagem é considerada ultrapassada em relação a outra visão chamada de "história social", que enfoca os diversos grupos de uma sociedade e seus movimentos políticos como motor da história.Uma abordagem mais abrangente, portanto.

Essa perspectiva clássica da história reflete também um valor aceito quase totalmente no ocidente, o valor do indivíduo, do mérito pessoal, do gênio. As pessoas costumam adorar biografias grandiosas, histórias particulares de sucesso, o "self-made man" estadounidense. Essa última definição explicita bem o caráter enganoso de tal valor.

Nem o estadounidense nem nenhum outro humano se faz sozinho. Fato constatado em diversos tipos de conhecimento, desde a religião até a ciência: biologia (em especial a ecologia), sociologia e até a física quântica postulam a conexão visceral entre os seres.

Além de não vivermos nem construirmo-nos sozinhos, o fazemos melhor quando reforçamos tais laços.

A tecnologia social e ambiental (dedicada a trabalhar sobre tais laços como fonte de riqueza de vida) ainda tem muito a oferecer, mas não é alvo de interesse científico/econômico. Existe toda uma cosmovisão que caminha na direção contrária e defende o individualismo e a competição como motores de uma sociedade, além de definir-los como valores em si.

Mas repito, não há gênio competidor e individualista que concorra contra o grande gênio coletivo.

Um exemplo disso foi a recente pesquisa publicada na Nature Structural & Molecular Biology que mostra que uma pesquisa de modelagem de uma proteína que vinha sendo desenvolvida durante uma década por cientistas de instituições privadas não conseguiu o resultado que gamers conseguiram em 3 semanas. Explica-se: foi criado um jogo on-line onde os jogadores podiam modelar uma proteína. O programa indicava quando se chegava a uma modelagem possível, e em 3 semanas esses jogadores fizeram o que cientistas de um grupo fechado (capitaneados por algum individuo que levaria a maior parte dos créditos pela pesquisa) não conseguiram em uma década. Essa pesquisa se relaciona a busca pela cura da AIDS, tema sério.

A internet muitas vezes tem sido motor para tais interações: primavera árabe, wikileaks, ficha limpa, entre outras criações coletivas que vem mostrando sua força e importância.

Quando penso nessas coisas penso também: ainda faz sentido a lógica do copyright? A quem ela beneficia? Quem pode deter o gênio coletivo?

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Sobre ser vivo

Link pra vídeo bacana que homenageia ativistas que lutaram pela causa ecológica, mostrando facetas belas do nosso planeta-lar e mostrando também como a nossa espécie humana agride as outras de maneira brutal.


http://www.youtube.com/watch?v=nGeXdv-uPaw&feature=player_embedded

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A revolução em andamento na Islândia

Link para a matéria do blog "Contexto livre" sobre acontecimentos recentes em Islândia que não são noticiadas pelos grandes veículos de informação. Vale checar: http://contextolivre.blogspot.com/2011/09/revolucao-em-andamento-na-islandia.html?spref=fb

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Catequese

Um dos elementos utilizado na conquista dos povos latinos pelos ibéricos católicos foi a dominação cultural. Seus agentes realizaram tal obra com esmero e competência, os Jesuítas, tiveram importância estratégica no lidar com as populações indígenas. Diferente do tratamento usual dado pelos colonizadores (violência e escravidão) os jesuítas incluiam um elemento humanitário na relação e consideravam sua missão levar a "luz de deus" para esses povos através da catequese. Instalando um regime hierárquico porém com alguma qualidade de vida material e inclusão simbólica. Isso não deixa de ser progressista num contexto onde a igreja debatia se índios eram ou não possuidores de alma.

Realmente não duvido que fossem homens de fé.

Porém isso não muda (pra mim) seu papel político. Pois, através do inculcamento dos valores católicos nos indígenas, os inseriu numa sociedade de uma profundamente desigual hierarquia e fizeram com que esses perdessem sua cultura, sua sabedoria, seus modos desenvolvidos numa experiência social milenar nessas terras. Claro que a dinâmica da vida permitiu que parte dessa cultura se mantivesse através do sincretismo (sábio truque simbólico dos povos excluidos), e outras formas dinâmicas de interação cultural. Os próprios jesuítas incentivavam tal empresa híbrida, por um lado entendendo que ao mesclar elementos da cultura indígena naquele neo-catolicismo americano, estariam criando laços mais fortes e duradouros, e por outro, reconhecendo parcialmente o conhecimento indígena sobre o território e seus usos.

A dominação cultural continua sendo um mecanismo utilizado no jogo político das sociedades, e quantos catequisadores! Um tanto de gente querendo ensinar o "caminho certo" e se beneficiando nesse processo. Fazendo a equação política de transformar o interesse A (pessoal) em interesse B (social) e utilizando as forças sociais para projetos pessoais de poder, convencendo de que isto é o caminho do "progresso". E pastores e padres, entre outros, fazem o malabarismo de manter a dominação baseada na "magia" no oculto, em um deus abstrato e maleável...fazer isso em tempos da rainha ciência e do rei método é certamente surpreendente.

Assim mantém-se padres da magia, da ciência, do desenvolvimento...todos advogando por uma causa própria em nome de todos, mas quem realmente se beneficia com isso?