segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Folia-de-reis: contradições em dinâmica

Ocorreu no último sábado (20/08) o 61° festival nacional de folia de reis em Muqui/ES. Essa manifestação é uma tradição cultural presente em muitos territórios país afora, e sua dinâmica se dá em dois sentidos complementares e dialéticos. Por um lado, a diversidade de grupos presentes é linda, e se reflete nas diversas cores e tipos de indumentárias, além disso... quantas etnias! Coisa linda ver tanta gente diferente sob uma mesma bandeira e participando de um evento onde não existem vencedores e perdedores (todos são premiados por participar). Esse tipo de manifestação dá força a tal idéia de democracia racial, que aqui deixa de ser somente mito de conservação do status quo para ser também uma prática e uma cultura com potencial solidário e agregador. Isso é fruto da organização dos grupos e também da estratégia da política cultural do estado do Espírito Santo.

O papel do estado abre outra gama de aspectos desse fenômeno, que explicitam a lógica do tipo de desenvolvimento que se dá em nosso país.

 Ali estavam presentes aspectos autoritários e amadores da política pública (como o secretário estadual de cultura querendo definir como deviam ser as fantasias e músicas dos grupos..) que denunciam também a condição periférica desses grupos em relação a sociedade cresecentemente tecnológica que exclui aqueles que não compartilham dos mesmos desejos e valores, são vistos como uma espécie de "zoológico do passado", destinados a permanecer nas mesmas condições sociais e culturais de outrora. Assim como os índios foram expostos como bichos pelos franceses no passado, há algo que não cheira bem na tradição folclorista hegemônica..afinal, qual o projeto em relação a estes grupos? Liberdade de escolha ou permanência cultural forçada? Auxiliar seus projetos próprios ou faze-los se inserir nos projetos hegemonicos? Ainda bem que a dinâmica da vida é mais forte que qualquer lei social e as coisas se transformam invariavelmente, curiosamente a unica lei onipresente é justamente a lei da transformação da vida....

Esse é um assunto para um sem-número de teses acadêmicas (e outros tipos de tese também) e jamais seria esgotado nesse breve post. No entanto vale o registro do evento em toda sua contradição dialética.

2 comentários:

  1. Não sei se concordo (embora minha opinião também não seja importante).
    Fico pensando no interesse dos sujeitos que participam destes grupos. Devem haver pesquisas com estas pessoas sobre os interesses que as movem dentro desta valorização cultural expandida que tem sido promovida no país desde os anos 1990 e, principalmente, a partir do governo Lula!
    Acredito que se deva valorizar os traços identitários dos que fizeram a nossa história e que, por isto ser também escola para os que não viveram aquela época, é importante tentar assegurar um máximo de proximidade em relação ao que foi deixado... senão, tudo se torna banal diante da globalização que vivemos. Diante de tantas descaracterizações que nos são impingidas desde fora.
    Acaso não seria mais representante do empobrecimento da cultura local diante desta pressão hegemônica o fato de foliões utilizarem máscaras industriais que as que se produzem no talento do manuseio?
    Embora acredite que o que importa de fato seja a opinião dos próprios foliões, me pergunto SE foram levados a refletir sobre isto. E no momento que alguém chama atenção para o mesmo, ainda que de forma mesquinha, a reflexão pode ser instigada. E, quem sabe, se reconheçam como escola de passado, representantes da situação presente, carregadores de uma bandeira para os futuros...
    Não é isto, por exemplo, o que representa um grupo de folia mirim? Que carrega na tez as marcas dos verdadeiros heróis da nossa história, que cantam cantigas do passado juntamente com músicas do padre Marcelo Rossi, cujos percursionistas usam óculos ray-ban e são acompanhados por uma divina fantasia tracejada ao erro e gracejos da mão?!... Tudo é condimento... mas o elo principal fica!...
    Como eu disse, o que eu penso não é importante... importa o que eles pensam. Se eles se sentem, como parecem sentir, herdeiros e professores de uma tradição (que se faz e refaz, é claro, mestres formados na Dificuldade.
    Que usam, e devem usar cada vez mais, dos espaços da superestrutura para valorizar o seu passado... O dinheiro do governo, a imagem de artista, etc etc... se isto em alguma medida lhes compensar o que foi perdido, ou o que não foi ganhado.

    ResponderExcluir
  2. A percepção dos próprios foliões é essencial sim...foi isso que quis dizer quando falo do "sem-número de teses" que podem ser feitas sobre esta realidade. Também acho que essa tradição deve ser incentivada pela sociedade, mas a própria "necessidade" de ajuda revela a posição destes no sistema social. Quanto a folia-mirim, a máscara de borracha, musicas do padre marcelo rossi e outras re-significações, é isso que eu digo ser inevitável, que chamei de "lei da transformação da vida", esta está para além do desejo de políticos e/ou acadêmicos, ela simplesmente ocorre, isso que em certa medida garante a vitalidade e a beleza de tal tradição..e não acho que a máscara de borracha descaracteriza a festa, já que ela própria (a folia) é fruto de um catolicismo sincrético permeado de elementos europeus já em sua gênese, não creio num "puro" ou "sagrado" em relação a isso, me preocupo mais em relação a uma certa "hipocrisia" em relação a tradições como esta, de que devem ser assim ou assado, porque senão estão se perdendo..como você mesma diz, o mais importante (na minha opnião) não é a forma, mas sim o conteúdo.
    O que eu chamava a atenção era justamente para a duplicidade desse fenômeno, por um lado libertário e autônomo, por outro subjugado e periférico.

    abraço

    ResponderExcluir